quarta-feira, 29 de julho de 2009

CASA DOS VELHOS




DE UM SONHO DO PASSADO À REALIDADE DO PRESENTE E LIÇÃO PARA O FUTURO

De um ideal assistencialista surge um devaneio que se materializa na Casa dos Velhos; Dona Gésia Miralva Santana Araújo, põe ao acaso o direito de decidir a sua vontade de servir sem querer nada em troca, gerada intrinsecamente em sua alma altruísta: ‘Se aparecer amanhã uma criança na minha porta, eu abro um orfanato ; se for um idoso, abro um asilo‘, na manhã seguinte estava à porta de sua residência um idoso a lhe pedir um gole de café, relatou-nos Lúcia Souza Batista, gerente do asilo, senhora de gentil aspecto, testemunhando, quando o destino fecundou à mente de dona Gésia o objetivo de construir a hoje conhecida ‘Casa dos Velhos‘ de Cachoeira.
Depois disso um grand
e esforço foi empreendido; listas de arrecadações, propagandas, mealheiros nas casas comerciais de Cachoeira , promoções de bailes e shows infantis no cinema local aos domingos. Doações e decepções caminharam lado a lado com a senhora Gésia e o seu esposo Osmundo Araújo, que jamais se deixaram abater pelos pequenos malogros. Em 1966 compraram o imóvel a Rua Benjamin Constant, nº 02, e a Casa dos Velhos da cidade de Cachoeira passou de um sonho para uma realidade.
A singela casa atualmente abriga 32 anciões, divididos em duas alas – feminina e masculina. Segundo Lúcia, os velhinhos vêm ao abrigo de quatro formas possíveis: a primeira é quando se acham um estorvo no seio da família e vêm com suas próprias pernas antes do crepúsculo da vida; a segunda é quando à revelia da sua vontade, refém do destino, se vêem trazidos pelos seus familiares à Casa, que alegam não terem condições de cuidar daqueles que no vigor da vida nunca lhe negaram cuidado; a terceira é quando desprezados
ao léu da sorte, são trazidos por populares ao abrigo e no último caso são resgatados dos seus familiares – algozes pelo Ministério Público e encaminhado ao sossego da Casa.
Quaisquer que sejam o motivo do ingresso dos Anciões à Casa dos Velhos, percebemos o
desamor de uma sociedade incapaz de respeitar; que desiste da nobreza do amor, contumaz em ingratidão e assaz em egoísmo. A velhice é uma causa que poucos abraçam, muitos desconhecem e raros intervém.
Lúcia, nos autorizou a descer um lance de escadas e a sensação que tivemos, era que estávamos descendo rumo ao túnel do tempo, uma viagem ao nosso interior ao fundo dos nossos sentimentos ao atravessar um corredor de camas, com senhoras envergonhadas pela nossa presença, enxergamos não com olhar racional, porém com olhar da alma àquelas criaturas acan
hadas, renhido o tempo, adiando o ocaso.
A Casa dos Velhos, é sem dúvida um ambiente rústico e agradável para aqueles que da vida não esperam mais nada, somente dignidade, as velhinhas são todas bem asseadas e cuidadas pelas abnegadas funcionárias do asilo, é um exemplo a ser seguido por outros asilos espalhados pelo país, um recanto de sossego e de paz, que nos dá impressão já entre os senis, de que somos grandes devedores a eles. Poucos são que os visitam, a não ser lá estudantes de instituições de ensino, quase sempre com objetivos diversos de uma visita cordial e solidária; os parentes dentre os poucos, são os que menos visitam os seus idosos.

A gerente Lúcia nos apresentou a senhora mais idosa da Casa, Dona
Marieta, de 99 anos e jeito pueril e expansivo, a contrastar com o cenário solene do lugar, paroleira, discorre em narrativas das epopéias da sua juventude, histórias contadas com o entusiasmo de que acredita ser verdade; ao exemplo da suçuarana que rosnara em seu costado e pulando sobre si , quando do instante que estava ao mato a fazer necessidades fisiológicas; o mais impressionante é fixar o olhar nas suas feições; e observarmos naqueles olhos incapazes de absorver a luz, por conta de sua cegueira; as pupilas inertes, o olhar perdido no vazio, como se quisesse a nós reproduzir aquele fato, cegueira esta que é tratada com muita naturalidade, sendo resultado de faceirices da juventude.
O ambiente nostálgico da Casa do Velho nos reporta ao passado daquelas frágeis pessoas, suas vidas com seus relatos venturosos e em alguns o embuste heróico, prosado, com se fosse o seu troféu, trazendo o vigor nas palavras de uma vida que teima, opondo-se ao seu epílogo, fatos verossimilhante ao nosso presente, deixando a todo nós uma grande lição ao futuro.
“O templo que o homem ergue que seja antes de tudo o teto de agasalho, onde o cansado repouse, o aflito dormite e o infeliz encontre paz“. Eis o lema da Casa do Velhos.

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